27/9/2009

ANA PAULA LIMA
REPÓRTER

A proximidade é inevitável. Começa com os cumprimentos pelos corredores, seguidos pelo encontro casual no cafezinho. Os almoços co colegas se ornam rotina e daí para as esticadas em turma, após o expediente, é um pulo. Não raro, interesses parecidos se transformaram em admiração e, pronto, nasce ali um namoro. O enredo parece de novela, mas se torna cada vez mais comum no ambiente de trabalho. Difícil é saber como se comportar para manter a relação amorosa e, sobretudo, o emprego, quando os pombinhos tiram o sustento exatamente do mesmo endereço.

O segredo está na discrição e na postura mais que profissional. Juntas, evitam ou dão margem menor a comentários maldosos, puxões de orelha da chefia e saias justas na empresa e em casa, diz o doutor em psicologia e professor da Universidade de São Paulo (USP) Ailton Amélio da Silva.
“Namoros surgem no trabalho porque os funcionários, em geral, têm várias afinidades. Além da escolaridade da faixa de renda similar, o convívio diário e duradouro abre o caminho para os relacionamentos”, afirma o especialista. “Mas mesmo que a empresa não proíba os namoros, até para não parecer retrógrada, é preciso lembrar que ali é um lugar de trabalho. E que essa é a prioridade”, alerta.
Para bom entendedor, significa dizer que olhares insinuantes, cochichos ao pé do ouvido, abraços e troca de bilhetinhos estão vetados. Beijos e carícias então nem pensar.
“Agarra-agarra é só na intimidade”, dispara a consultora de etiqueta nas áreas pessoal e empresarial Agni Melo. Ela lembra que os cuidados parecem óbvios, mas nem sempre recebem a atenção devida por quem encontrou a cara-metade na mesa ou na sala ao lado.
“O casal tem que policiar o tempo inteiro, se preocupar com a expressão corporal. Mesmo no cafezinho, não dá para ficar muito próximo, se tocar. Até a roupa deve ser pensada. Às vezes, a mulher quer parecer sedutora para o namorado, e exagera no decote ou na cor”, observa Agni.
O risco é se tornar alvo de fofoca dos colegas e até do descontentamento do patrão. Ou, pior, parecer pouco ou nada profissional – o que pode ser um tiro de misericórdia até na mais promissora das carreiras.
“Ter postura é o mais importante. Ou você pode prejudicar sua imagem profissional.” Diz a especialista em gestão de comunicação empresarial Amanda Lara, 25 anos. Ela conheceu o marido, Wemerson, no ônibus que levava funcionários da fábrica de cimentos onde trabalham até o município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foram quatro meses de conversa até o primeiro beijo, bem longe do serviço. E outros cinco de sigilo absoluto sobre o relacionamento. “A gente não ficava junto nas festas da empresa. Mas, com o tempo, as pessoas passaram a nos ver no shopping, na rua, fora do expediente. Souberam naturalmente”, diz Amanda, agora casada há 1 ano e 2 meses.
Precavido o casal tomou cuidado para não dar munição às más-línguas, nem arranhar a trajetória no serviço. Não troca mensagens ou telefonemas, a não ser em casos excepcionais, e não se trata por apelidos. E cada um almoça com colegas de seu próprio setor, já que eles atuam em departamentos distintos.
O modo de agir, garante Amanda, rendeu elogios até da coordenação. “Meu diretor só soube do namoro no dia em que eu e o Wemerson mostramos o convite de casamento. Algumas pessoas nem desconfiam que somos casados.”
A sensação de pisar em ovos tem razão de ser, diz a consultora Agni Melo. “O expediente pode até ter acabado. Mas se o casal saiu com colegas, tem que se comportar, ou será o assunto do dia seguinte. A imagem profissional é um conjunto de impressões. Mas um deslize pode destruir a boa reputação de anos.”
A consultora orienta os enamorados a assumir o relacionamento tão logo tenham certeza de que não se trata de uma aventura. “Alguém sempre percebe um olhar. Admitir o romance acaba com os bochichos”, diz. “Mas é preciso agir com critério. Não dá para fazer isso só por causa de uma saída, beijo ou transa”, lembra Ailton Amélio, da USP.
Pensamento compartilhado também pela jornalista Juliana Xavier, 26 anos, e o namorado, Vítor Moreira, 24. Juntos há um ano, eles só “anunciaram” o namoro no trabalho depois que o romance engatou, dois meses após o primeiro beijo. Na época, o casal tinha os computadores de trabalho lado a lado. “Se não for sério, é melhor nem contar”, diz Juliana. A proximidade física, mas o namoro à distância da chefia e dos colegas, garantiram o sucesso da relação. “Deu supercerto”. Hoje, o casal trabalha em firmas diferentes.

Romance, romance, trabalho à parte

Mas romantismo e discrição não bastam para garantir o namoro e o emprego. Quem se deixa levar pelo coração precisa ter sangue frio para não carregar para o local da labuta conflitos típicos de um namoro.
“Não dá pra fazer cena de ciúmes ou chegar no serviço de cara amarrada por causa de uma briga na véspera”, avalia Ailton Amélio da Silva, autor dos livros como o recém-lançado “Relacionamento Amoroso”, sobre como começar, manter e terminar namoros e casamentos.
Só que, na prática, manter a emoção 100 % sob controle é bastante complicado, diz o psicólogo. “Por isso há quem evite até se envolver com um colega interessante, só para não passar por um constrangimento, se não der certo depois”.
Situações como essas existem. Há dois anos, M., que pediu para não ser identificada, queria trocar de emprego e aceitou o convite do então namorado para trabalhar com ele. “No início era até divertido, porque um ajudava o outro. Mas depois a gente passou a conversar sobre trabalho o tempo inteiro, dentro e fora da empresa. Ficamos sem outro assunto”.
O namoro acabou um ano após a contratação de M.. “Nessa hora, você quer viver aquele luto, se recompor. Mas a gente não teve isso. Continuamos dividindo a mesma sala e os problemas”, diz ela, que pouco depois mudou de firma. “Você não escolhe de quem gostar. Mas deve saber que a relação desgasta rápido”.
Um risco ainda maior quando os namorados são chefe e subordinado. Nesse caso, além de todo o bom senso, o casal terá de desdobrar para evitar comentários de favorecimento e protecionismo.
“Os dois terão que ser ainda mais profissionais. E o subalterno, mais pontual e eficiente que antes”, diz a consultora Agni Melo. Ainda assim, deve estar preparado para não ser promovido – mesmo que merca – para não alimentar a fúria alheia.
Apesar dos pesares, sobram histórias de “paixonites” bem-sucedidas no trabalho. “O segredo é não se exceder em nada”, diz o biólogo Thiago Alves, 29 anos, que há dois namora a administradora da empresa de consultoria ambiental onde trabalha. “Ficamos em andares diferentes. Se almoçamos juntos, estamos com outros colegas, e alguns dias nem nos vemos. É bom que dá mais saudade”, garante Grecijane de Faria, 30.
Conduta parecida têm os publicitários Luciana Machado, 25, e Tadeu silva, 27. Beijo no rosto dentro da agência, só mesmo para posar para a foto dessa reportagem. Disciplina exemplar, mas que deve beirar a tortura para o casal que dividiu a mesmíssima sala. “Não vamos atrapalhar a vida pessoal, nem a profissional. E eu quero ser vista como a Luciana, e não como a “Luciana namorada do Tadeu”.

EXPEDIENTE AMOROSO
Dicas para manter o amor e o emprego

*    Mesmo que já tenha pintado um clima, não use o tempo de trabalho para paquerar ou trocar olhares e assim “embalar” uma aproximação com o colega. Deixe as investidas para fora da empresa – de preferência bem longe de pessoas do trabalho.

*    Enquanto não sabe se o relacionamento terá futuro, não comente sobre ele com ninguém da empresa. Se o casal avaliar que o romance vai virar namoro, deve comunicar primeiro ao chefe e depois aos colegas próximos.

*    Não dê margem para piadas e brincadeiras dos colegas sobre o seu relacionamento.

*    Jamais combine programas com o amado (a) durante o expediente. Não se desconcentre do trabalho, nem provoque encontros com o namorado (a), “por acaso”, pelos corredores.

*    Se você e o namorado (a) trabalham no mesmo setor, avalie com a chefia a possibilidade de transferência de um dos dois para outra área.

*    Dentro da empresa, e-mails, telefones e MSN são instrumento de trabalho. Só use para mandar recados curtos ao namorado (a) se for indispensável. Evite até as ligações e mensagens feitas do celular particular.

*    Nunca “lave roupa suja” no trabalho. Colegas não devem perceber que vocês brigaram na véspera. Também não faça sena de ciúmes.

*    O casal deve evitar ficar a sós em salas, corredores e outros ambientes da empresa.

*    Mesmo que o relacionamento termine, nem pense em boicotar o “ex” – nem profissionalmente, nem revelando as coisas particulares aos colegas.

*    Se um dos dois é casado, e mantém na empresa um caso extraconjugal, os dois devem saber do risco de serem mal falados, vítimas de piadas, reprovações alheias e até denúncias ao marido/mulher traído. Numa situação dessas, o sigilo deve ser ainda maior.

*    Se o regulamento da empresa proíbe namoro entre colegas, o “casal-secreto” deve decidir qual dos dois vai pedir demissão – antes que ambos acabem na rua.

VEÍCULO: Hoje em Dia
CADERNO: Minas
PÁGINA: 28
DATA: 27/09/09

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